1.2.10

Sobre o vendedor de balinhas

Algumas palavras eu acho particularmente bonitas. Força, poder, humildade, caráter, dignidade, honra, respeito, determinação, amor, sabedoria. Tudo isso e mais umas duas dúzias de palavras que designam características propriamente humanas pode ser resumido em uma única palavra: valores.

Hoje subiu no ônibus um cidadão com sotaque paulista bem arrastado vendendo balinhas. Vou tentar reproduzir o discurso dele:

"Boa tarde senhoras e senhores. Me desculpem o incômodo. Sou de São Paulo, falo três idiomas e sou formado em Computação Gráfica. O salário pra quem é da minha área, aqui no Norte, é 3 vezes maior que lá em São Paulo, por isso vim pra cá, na tentativa de dar uma vida melhor para minha mãe, mulher e filhas. Depois de dois meses aqui sem conseguir nada estou voltando pra minha cidade. Não tenho dinheiro pra comprar a passagem, por isso já faz 48 horas que estou vendendo estas balinhas pra completar os R$22,00 que eu preciso. Há um mês eu me alimento de água e manga pra economizar dinheiro. Ontem eu desmaiei por causa da fome e fui parar no hospital. Não quero que fiquem com pena de mim, mas que acreditem no que eu digo, por isso descrevo a minha situação com tantos detalhes. Sei que no mundo em que nós vivemos hoje em dia é difícil confiar nas pessoas, por isso trago comigo todos os documentos que provam que estou falando a verdade. Se para alguns isso não for o bastante, podem ligar a cobrar pra casa da minha mãe em São Paulo e falem pessoalmente com ela. Não custa nada, é uma ligação a cobrar, levante a mão quem quiser o número pra telefonar. Já são 17h, meu ônibus sai às 19h. Preciso completar o dinheiro da passagem e preciso me alimentar. Qualquer moeda pode servir de ajuda pra mim. Muito obrigado."

 Tenho por princípio básico o de sequer ouvir apelos como este onde quer que eu esteja pois considero que a probabilidade de mentira seja de 50% no mínimo. De qualquer forma, acho que do número aproximado de 50 a 60 pessoas no ônibus, pelo menos metade deu uma força pro cara, o que aliviou o pouco peso da minha consciência (Não, eu não dei um centavo, apenas parei pra ouvir, e isso foi muito). Mas a questão não era essa. Esse cara deixou um bela lição, caso a história dele seja verdadeira: uma lição de humanidade, de superação, de dignidade. Não sei se eu seria capaz de, com um curso superior, me submeter a algo assim. Há um longo caminho a percorrer para vencer o orgulho. São poucos os que tem a coragem e a força para percorrer esse caminho.

Não, eu não tenho um pingo de pena desse cara. Ele é grande demais para que eu sinta pena dele. Ele tem uma potencialidade humana incrível que me falta. Chama-se humildade.

2 comentários:

  1. eu odeio estes momentos que não sabemos se estamos sendo bobos de acreditar ou frios de desconfiar...

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  2. água e manga. Uau. Não pode ser mentira, alguém que fosse inventar, inventaria algo menos sem noção. Eu teria acreditado.

    Pois, bonito o que tu disse. Eu já pedi dinheiro no sinal, e costumamos ouvir esse tipo de coisa... "vcs são universitários e não deviam se submeter a esse tipo de coisa".
    Mas é bom, ver que tem mais gentileza no mundo do que não. E isso é a pura verdade.

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