19.2.10

Sobre Poker (Pôquer)

É interessante que certos tipos de coisas tornem-se populares dentro de determinados grupos de pessoas. Ainda mais se considerarmos o contexto em que tais coisas alcançam tal popularidade. O poker é um bom exemplo disso.
Vejamos bem como são as coisas hoje em dia. Algum tempo atrás tive a oportunidade de ler uma reportagem sobre o engajamento atual da juventude em assuntos políticos. Por "políticos", leia-se algo como "o bem-estar geral". Constataram que há um engajamento decrescente desde o fim da didatura militar. Tudo bem, conclusão óbvia, mas o x da questão é o motivo desse afastamento do desejo de mudança. A constatação é que as pessoas estão cada vez mais preocupadas consigo mesmas do que com o bem geral. Em outras palavras, estamos cada vez mais egoístas. E isso reflete uma porção de coisas. E a mais fundamental de todas, a meu ver, é a estrutura das relações entre as pessoas. Aquilo que move as relações e o peso que isso tem nas nossas decisões. E nisso tem por trás valores, senso moral, interessses, etc.
É neste contexto que o poker ganha sua popularidade. É um jogo que expressa muito bem as relações sociais de hoje em dia. Tenho me aprofundado um pouco (é um jogo BEM viciante) e agora posso afirmar com uma certa propriedade que o poker pode ser sintetizado em duas palavras: mentira e manipulação.
Se você tem um bom jogo, é importante não demonstrar isso para que seus adversários caiam na armadilha que é apostar mais, pensando que estão se dando bem. E no fim, voilà!, você ganha o dinheiro deles. Se você tem um jogo ruim, é importante também que eles não saibam disso, assim você os faz desistir do jogo e também fica com o dinheiro deles.
Então é isso: manipular os adversários para que fiquem no jogo quando você sabe que tem boas chances de vencer, ou para faze-los desistir do jogo quando você sabe que não tem uma boa mão. Há livros enormes de estratégias variadas que ensinam a fazer isso. E como ferramenta principal de estratégia, deve-se desenvolver o controle emocional. É a chave-mestra para aqueles que pretendem obter sucesso em qualquer área da vida.
Assim como tudo o que tem uma utilidade além do entretenimento, habilidades desenvolvidas no poker são muito úteis no cotidiano. O exemplo mais clássico - aqui meramente ilustrativo - acredito que seja o momento da conquista. Imagine que você está gostando de uma pessoa. Então, é preciso saber jogar para que ela também goste de você. Imagine então que ela não saiba disso. Não se pode revelar a sua predisposição natural para uma aposta alta, ou ela vai perceber a jogada e vai dar um fold, vai desistir do jogo e não é isso que você quer, certo? Ao invés disso, o que você faz? Joga. Joga para mantê-la no jogo. Joga para que ela vá apostando suas fichas cada vez mais. Joga para que, no momento em que você resolver abrir o jogo, ela já tenha soltado todas as suas fichas, deixando você com uma relativa segurança. Joga para que depois não precise mais jogar.
É interessante como a gente sem querer trata uma pessoa a qual pretendemos ter uma relação boa e saudável como um adversário de um jogo de estratégia. Um telefonema que estrategicamente adiamos, uma mensagem ou um scrap meticulosamente pensado e analisado, um convite para um cinema que é feito "naquele dia", nem antes nem depois. O beijo que é dado "naquele momento", nem antes nem depois. E tudo isso é o que determina a efetividade da conquista e não necessariamente aquilo que você é.
Curioso é que existem pessoas que são mestres nessa arte e péssimos em caráter. Outros, o contrário. E que é que se dá melhor na vida?
No poker é assim, quanto mais você aumenta a aposta, mais fica evidente que tem um jogo alto. Se faz uma aposta alta de uma vez isso fica mais claro ainda, então isso força mais desistências rápidas. O bom jogador vai aumentando aos poucos a aposta, envolvendo os adversários no seu jogo, sugando aos poucos o dinheiro deles. O bom jogador sabe a hora de desistir de uma jogada e perde o mínimo de dinheiro possível em mãos medíocres pois sabe que uma boa mão virá e nessa hora ele sabe que deve aumentar a aposta. E sabe como deve aumentar a aposta. E sabe como deve manter o maior número de adversários no jogo para ganhar mais com isto. Sabe mentir com gestos e olhares. Sabe manipular. E sabe reconhecer tudo isso em seus adversários. Ele ganha mais por conta disto.

"Se após meia hora de jogo você não identificar que é o pato, é porque você é o pato!" (Stu Ungar)
"Poker é um jogo sobre pessoas... Não é a mão que eu tenho, mas sim a pessoa com quem estou jogando. Leia o adversário e ganhe." (Amarillo Slim)
"Você leva a vida como deveria jogar poker e joga poker como deveria levar a vida." (LC Cheeve)

1.2.10

Sobre o vendedor de balinhas

Algumas palavras eu acho particularmente bonitas. Força, poder, humildade, caráter, dignidade, honra, respeito, determinação, amor, sabedoria. Tudo isso e mais umas duas dúzias de palavras que designam características propriamente humanas pode ser resumido em uma única palavra: valores.

Hoje subiu no ônibus um cidadão com sotaque paulista bem arrastado vendendo balinhas. Vou tentar reproduzir o discurso dele:

"Boa tarde senhoras e senhores. Me desculpem o incômodo. Sou de São Paulo, falo três idiomas e sou formado em Computação Gráfica. O salário pra quem é da minha área, aqui no Norte, é 3 vezes maior que lá em São Paulo, por isso vim pra cá, na tentativa de dar uma vida melhor para minha mãe, mulher e filhas. Depois de dois meses aqui sem conseguir nada estou voltando pra minha cidade. Não tenho dinheiro pra comprar a passagem, por isso já faz 48 horas que estou vendendo estas balinhas pra completar os R$22,00 que eu preciso. Há um mês eu me alimento de água e manga pra economizar dinheiro. Ontem eu desmaiei por causa da fome e fui parar no hospital. Não quero que fiquem com pena de mim, mas que acreditem no que eu digo, por isso descrevo a minha situação com tantos detalhes. Sei que no mundo em que nós vivemos hoje em dia é difícil confiar nas pessoas, por isso trago comigo todos os documentos que provam que estou falando a verdade. Se para alguns isso não for o bastante, podem ligar a cobrar pra casa da minha mãe em São Paulo e falem pessoalmente com ela. Não custa nada, é uma ligação a cobrar, levante a mão quem quiser o número pra telefonar. Já são 17h, meu ônibus sai às 19h. Preciso completar o dinheiro da passagem e preciso me alimentar. Qualquer moeda pode servir de ajuda pra mim. Muito obrigado."

 Tenho por princípio básico o de sequer ouvir apelos como este onde quer que eu esteja pois considero que a probabilidade de mentira seja de 50% no mínimo. De qualquer forma, acho que do número aproximado de 50 a 60 pessoas no ônibus, pelo menos metade deu uma força pro cara, o que aliviou o pouco peso da minha consciência (Não, eu não dei um centavo, apenas parei pra ouvir, e isso foi muito). Mas a questão não era essa. Esse cara deixou um bela lição, caso a história dele seja verdadeira: uma lição de humanidade, de superação, de dignidade. Não sei se eu seria capaz de, com um curso superior, me submeter a algo assim. Há um longo caminho a percorrer para vencer o orgulho. São poucos os que tem a coragem e a força para percorrer esse caminho.

Não, eu não tenho um pingo de pena desse cara. Ele é grande demais para que eu sinta pena dele. Ele tem uma potencialidade humana incrível que me falta. Chama-se humildade.