4.10.11

Sobre gostos e preferências musicais (ou não)


Recentemente tem rodado o Facebook uma carta aberta à Cláudia Leitte, em resposta aos comentários infelizes que ela fez sobre o Rock in Rio. Isso tem gerado insatisfação por parte de algumas pessoas que gostam do estilo "musical", o qual ela canta e defende. A principal alegação das pessoas indignadas (hã?) é de que cada um tem o seu gosto e que isso deve ser respeitado.

De fato, cada um tem o seu gosto. De fato, isso tem que ser respeitado. Mas é importante lembrar que o gosto de cada um varia de acordo com o nível intelectual de cada um. É um grande erro colocar o axé no mesmo patamar do rock, como se fosse apenas questão de gosto. Não, não é só questão de gosto, mas fundamentalmente de conhecimento. Antes de entrar mais profundamente no tema, gostaria de ressaltar que eu estou generalizando sim. Não ignoro que pode existir lá no meio do nada um cara supostamente "ignorante" que por si só acabou gostando de Mozart. Também não ignoro que possa existir um ou outro professor universitário, doutor, que, eventualmente, seja fã de pagode. Sempre, inevitavelmente, vão existir essas situações que fazem a gente repensar as nossas convicções. Legal, bacana! Mas não é o caso aqui. Aqui eu vou ignorar essas exceções pra deixar a linha de raciocínio mais clara.

Música, para quem não sabe, é composta de três elementos fundamentais: Harmonia, melodia e ritmo. Isso é a primeira coisa que se aprende, ao estudar teoria musical. Também aprendemos as diferenças entre um compasso simples e um compasso composto, aprendemos sobre intervalos, técnica, etc. Alguns são capazes de reconhecer uma boa música naturalmente, e outros não. Eu me encaixava no segundo grupo até que eu aprendi essas coisas. Aprendi a tocar violão, fiz aula de guitarra. Enfim, aprendi um pouco. Aprendi o bastante pra saber diferenciar uma carne de quinta de um filé. Felizmente, todos são livres pra estudar e aprender que existe sim música boa e música ruim. E isso sem basear o "bom" e "ruim" em gostos pessoais, mas em fatos.

É bem simples, não? Existe o bom e o ruim, mas não é tão simples (para a maioria) diferenciar os dois. Vamos simplificar as coisas. Imagine a música como qualquer outra área do conhecimento humano. Vamos tomar como exemplo arbitrário a arquitetura.

É notório que existe a boa e a má arquitetura. É também notório que isso é notório pra muita gente. Acontece que, convenhamos, ao avaliar uma boa obra, um arquiteto é mais qualificado pra identificar o que é melhor e o que é pior dentro da sua área do que um leigo, certo? O mesmo acontece pra psicologia. Eu posso considerar este ou aquele psicólogo bom. Mas eu não entendo de psicologia, eu não estudei isso. Minha opinião é baseada no achismo, é baseada no "gosto". Eu sou leigo! Se um psicólogo me indica outro melhor, é óbvio que a visão dele sobre o assunto é mais clara que a minha e, portanto, é mais fácil que ele me dê uma melhor possibilidade! Não porque ele prefere este ou aquele, mas porque ele sabe o que é melhor.

Se me pedirem pra identificar o melhor entre dez jogadores de críquete, eu não saberei identificar. Pois não entendo nada de críquete. Mas de futebol eu entendo, e é claro tanto pra mim quanto pra qualquer um que saiba um pouquinho de futebol que não é questão de "gosto" dizer que o Kaká é melhor jogador que o Richarlysson. Eles não são "diferentes" apenas, mas sim: um é melhor que o outro. É claro que nada te impede de gostar do Richarlysson (sick!), todos são livres pra isso. Mas certamente é um erro grotesco dizer que, por exemplo, sob determinado ponto de vista o Richarlysson pode ser considerado melhor, ou que "pra você" ele é melhor. Não, não é. Este é o ponto central: independente do que você acha e do que eu acho, o Kaká é melhor, e a nossa opinião e gosto pessoais nada têm a ver com isso. Com um detalhe muito interessante: ambos são jogadores de futebol, mas de posições diferentes.

Com tudo isso, eu quero dizer o seguinte: não afirmo que pagode, axé, funk, etc são ruins simplesmente porque não gosto. Eu afirmo isso - categoricamente - porque entendo um pouquinho de música. Entendo o bastante pra dizer que o Radiohead é infinitamente superior ao Exaltassamba pelo mesmo motivo que o Messi é infinitamente superior ao Landu. Pelo mesmo motivo que o Frank Gehry é um arquiteto infinitamente superior a mim, e por aí vai. Não é "gosto" é "conhecimento".

Não estou dizendo que é necessariamente obrigatório gostar do que é melhor. A partir do momento que você tem a capacidade de diferenciar o que é bom do que é ruim, aí sim passa a ser questão de gosto estritamente pessoal. Pois quando você sabe, você é capaz de reconhecer o "bom" naquilo que é mais simples. Aliás, frequentemente músicas mais simples têm mostrado mais "feeling" que músicas muito complexas.

Eu mesmo não tenho o melhor dos gostos. Não estou falando aqui como quem está "acima" de tudo isso, mas como quem reconhece as coisas como elas são e sabe muito bem onde está. Eu sei que tem músicos melhores do que os meus preferidos, e nem por isso gosto deles. Entende como vira uma coisa muito pessoal a partir de um determinado ponto, e não na coisa toda? Pois é, a parte subjetiva da coisa é muito relevante sim, mas NÃO é ela que vai determinar o que é tecnicamente melhor. A subjetividade não é "mensurável", enquanto que a capacidade técnica do músico é. Uma vez que nem todos vão passar a gostar das coisas boas só de conhecê-las, é importante reconhecer aquilo que está para além da subjetividade, além dos gostos e opiniões pessoais. Ou melhor, aquilo que está acima dos nossos gostos e opiniões pessoais.

E se você não entende de música, eu lamento, mas a sua opinião com certeza vale menos que a daquele que entende, assim como a minha opinião vale menos que a de um médico na hora de falar de medicina, assim como a minha opinião vale menos que a de um mecânico pra falar sobre motores, e por aí vai.

Esse texto pode parecer ofensivo pra alguns. É normal. Ninguém quer parecer "menos inteligente" devido ao seu gosto musical. Mas na verdade ninguém é "menos inteligente" por isso, acontece que muitas pessoas levam a coisa pro lado pessoal, sentindo-se pessoalmente ofendidas quando se deparam com algo que é diferente do que elas pensam. E como eu estou frequentemente tentando deixar as coisas claras de uma forma impessoal, é inevitável que surjam visões críticas ao extremo.

De qualquer forma, é mais fácil colocar tudo no mesmo nível e dizer que é apenas questão de "gosto" do que procurar entender de música - ou de qualquer outra coisa - um pouco mais profundamente, pra enxergar a realidade. Em outras palavras: é mais fácil rebaixar o que está acima do que tentar elevar os seus padrões, pois isso exige esforço. E se você se sente incomodado(a) com tudo o que eu escrevi até agora, tenho uma péssima notícia pra você: o mesmo que eu falei pra música serve pra qualquer tipo de arte, serve pro tipo de filme que você gosta, pro tipo de livro que você lê e pro tipo de vida que você leva.

Um comentário:

  1. Peço-lhe licença para copiar este texto pro meu blog. Citando os créditos, claro!

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